Meia-noite e ela completa 24 anos. Recebe os primeiros abraços, ainda em choque. O tempo zombou daquela cara branca e voou. Está upset, sem mais.
Ms. Ax não guarda qualquer lembrança da época antes dos 6 anos. Tenta montar alguma cena na cabeça por fotos ou filmagens tremidas, mas soa falso. Depois disso, a memória coleciona histórias, mais alheias do que dela. Pode contar nos dedos: um amor de infância, duas viagens, algumas flores e... peraí, não consegue se lembrar de nada (de novo). Vive em uma crise existencial constante, como se ainda fosse a menininha deitada no divã aos 11. "Pra quê aprender tudo isso se a gente morre?"
Ms. Ax quer que a noite se prolongue um pouco mais, a coberta esteja com cheiro de amaciante e que um cotonete fique sempre por perto. Há muito, sustenta o hábito de tomar banho quente e, em seguida, pentear o cabelo para trás -- do mesmo jeito que a avó fazia. Pijama é tradição e cara limpa no reflexo do espelho também. Boa comida, boa bebida, como uma boa taurina.
Ms. Ax gosta da incoerência de textos e subverter o sistema e as palavras. É uma fraude. Disso, inclusive, é a única certeza que lhe ronda. Grita e esperneia para ser diferente, mas no fundo (e nem precisa cavar muito) só quer deitar em uma rede e deixar o pau quebrar. Ela quer começar uma prosa com aspas, fazer as pazes com o gerúndio, abusar das reticências e arrancar do peito a marca do "não pode". Trabalha menos, lê menos, sorri menos do que pensam.
Ms. Ax sonha quase todos os dias com o mar. Raros são os sonhos que consegue chegar até ele. Na verdade, é a água que a persegue em sonho. Cachoeira, rio, piscina, praia... Estão por lá, esperando o toque da moça. Participa de outro mundo quando dorme e essa aventura de toda noite é desgastante devido as crises de sonambulismo. Estão explicadas as olheiras.
Ms. Ax pensa que seu nome verdadeiro é Ana. De algum jeito, aqui ou no Além, Ana. Os pensamentos se misturam e teme/deseja a insanidade. Quer abandonar os óculos, a cera quente, a balança, o volante, os documentos. Quer acreditar que, por trás de tanta máscara e fantasia, haja um pouquinho de verdade sobre si. Neste ano, ela pede verdade e memória de presente. Um tanto mais de sono tranquilo não lhe faria mal.
Ms. Ax... Ms. Ax.
24.4.14
18.4.14
Mess
Mess logo me avisou que o objetivo era encontrar o amor.
Assim foi feito. Rendeu-se ao calor de um mexicano picareta e arriscou raríssimas palavras em espanhol. Ficamos surpresas quando a madame chinesa nos ofereceu o melhor quarto da mansão por um preço razoável. Ficávamos no topo: com pia, geladeira, microondas, mesa, sofá, camas enormes e uma tv estragada. Ela pegou a janela. Eu, o escuro. Ela cozinha. Eu, limpo. Foi me receber com um prato de arroz (sempre arroz), ovo e um coração de ketchup. Tempo de gentilezas. Mess fazia do lado dela do quarto uma bagunça e cozinhava com poucas noções de higiene. O segredo, inclusive, das receitas era a minha fome aliada ao molho shoyo. Ela queria o amor. Nunca disse “eu te amo” e a possibilidade lhe dava arrepios. Todos os dias de manhã coloca os cílios postiços, a meia calça, a chapa no cabelo, aceitava a torrada com manteiga e tomava aquele chá. Eu pensei que pudesse encontrar uma grande amiga, mas nossas buscas eram diferentes. Muita simpatia, mas toda convivência um dia pega no calo. Do meio para o final, eu me sentia sozinha, Mess passava dias sem aparecer. Eu, cozinho. Eu, limpo. Ela encontrou um cara e a cama dele, estava tão feliz. O moço adiantou que de sério nada queria, estava decepcionada. Era uma moleca perdida, de riso fácil, emotiva, que experimentava as chances de amar. Rebelou-se contra a chinesa, nossa cozinha, a claridade da janela e o próprio coração. Despediu-se de mim em um dia de neve e ficou lá, em pé, até eu dobrar a esquina. Era a hora de Mess tomar o resto de chá e planejar a próxima mudança, de casa, cama e amor.
Assinar:
Postagens (Atom)